Personalização no iGaming: inteligência ou vício disfarçado?

David Gravel
Escrito por David Gravel
Traduzido por Thawanny de Carvalho Rodrigues

A indústria de iGaming está surfando uma onda de hiperpersonalização, impulsionada pelo uso de inteligência artificial, aprendizado de máquina e dados de jogadores para criar experiências sob medida que prendem a atenção dos usuários. O que começa como uma conexão pode facilmente evoluir para controle. O engajamento é só a primeira máscara.

Em uma entrevista exclusiva à SiGMA News, Christian Hodges (Chefe de Parcerias da Lift), Alexis Wicen (CEO da Unibo) e Adam Mateja (Cofundador e CEO da Blurify) discutiram o futuro da personalização no setor de iGaming. O ponto central da conversa foi a grande questão: a personalização é um divisor de águas ou uma bomba-relógio prestes a explodir?

Até que ponto a personalização pode ir?

Christian abriu a discussão com uma provocação:

“Se personalização significa saber qual é o meu time e sugerir apostas relacionadas, ótimo. Mas se for analisar meu histórico de apostas para me incentivar a jogar mais, então temos um problema.”

“Se personalização significa saber qual é o meu time e sugerir apostas relacionadas, ótimo. Mas se for analisar meu histórico de apostas para me incentivar a jogar mais, então temos um problema.”

Para ele, o teste é simples: “Você se sentiria confortável dizendo isso em voz alta num bar? Se não, talvez sua IA também não devesse dizer.”

Esse ponto levanta um debate essencial: onde está o limite entre oferecer uma experiência personalizada e adotar práticas predatórias?

Ferramentas com IA conseguem identificar mudanças repentinas no comportamento de risco — por exemplo, um jogador que passa de três apostas semanais de £30 para dez apostas de £ 300 na mesma semana. Por outro lado, a mesma tecnologia pode ser usada para enviar estímulos altamente segmentados, incentivando apostadores valiosos a continuarem jogando, mesmo quando já ultrapassaram seus próprios limites.

Muitos operadores ainda não definiram com clareza esse limite. Com acesso a tantos dados sobre hábitos dos jogadores, a grande questão permanece: como usar essas informações para proteger, e não explorar? Reguladores de diversos países estão fazendo exatamente essas perguntas. Em mercados como Suécia e Alemanha, táticas agressivas de personalização já resultaram em restrições mais rígidas sobre bônus e publicidade. No Reino Unido, as futuras verificações de acessibilidade devem testar os limites éticos da personalização no engajamento com o jogador.

A pressão em excesso pode gerar reações na mesma intensidade. Alguns mercados já aplicaram multas e suspensões. Se os operadores não repensarem suas abordagens em breve, os reguladores certamente o farão. Do ponto de vista do jogador, como ele se sente diante de promoções tão personalizadas? Ele tem noção de quanto seu comportamento é monitorado?

Há uma percepção crescente de que a personalização precisa de diretrizes mais claras. Deixar a decisão inteiramente nas mãos dos operadores talvez não seja mais suficiente.

Alexis compartilhou um exemplo de alerta vindo da Suécia: “Durante a COVID, havia um limite de depósito semanal de SEK 5.000 (cerca de € 450). Os jogadores passaram a abrir contas em diferentes operadores e, como resultado, acabaram recebendo ainda mais marketing. Perderam o controle. O tiro saiu pela culatra.”

A personalização no iGaming está ficando para trás?

Setores como e-commerce, streaming e jogos mobile estão muito mais avançados quando o assunto é recomendação com base em IA. O iGaming consegue acompanhar esse ritmo? Alexis foi direto:

“A Netflix faz você continuar clicando. A Amazon te faz continuar comprando. O iGaming? Ainda estamos tentando entender como fazer isso.”

Se a tecnologia já existe, por que o iGaming ainda não avançou?

Em plataformas de streaming, os usuários costumam seguir gêneros específicos. Já no iGaming, os jogadores alternam entre jogos por diferentes motivos: busca de emoção, interação social ou puro impulso. Jogos mobile registram cada toque. Gestos mínimos viram pontos de dados, alimentando experiências cada vez mais sob medida. O iGaming ainda está atrás quando se trata desse nível de precisão comportamental.

Algumas empresas já usam IA para conectar preferências de jogadores a mecânicas de jogo. Adam trouxe um ponto importante: personalizar demais pode limitar o senso de descoberta. “Se o jogador só vê o que já gosta, talvez nunca descubra novos tipos de jogos. Isso é um problema sério para o setor.”

Christian observou que outros segmentos usam ferramentas de mensagens diretas para gerar conversões mais eficazes. Ele comentou: “Já vi empresas usando WhatsApp ou Telegram para entrar em contato direto com usuários após o cadastro. Podemos fazer algo parecido com agentes de IA, especialmente quando os canais tradicionais falham em converter.”

iGaming personalisation
Da esquerda para a direita: Christian Hodges, Alexis Wicen e Adam Mateja.

O foco está excessivamente na retenção em vez da descoberta?

O painel concordou: se a Netflix só mostrasse o conteúdo que os usuários já viram, o engajamento iria estagnar. Será que o mesmo está acontecendo no iGaming? Adam alertou que a falta de experimentação e descoberta acaba prendendo os jogadores em ciclos repetitivos.

“Deveríamos mostrar ao menos 20% de conteúdo novo aos jogadores. Não se trata apenas de oferecer o que já gostam, e sim de ajudá-los a descobrir o que podem vir a amar.” Adam também defendeu testes em vez de suposições.

“A IA precisa deixar espaço para o inesperado. Não entregue só o que é seguro. Você pode acabar perdendo o que realmente cria conexão.”

O que impede, então, os operadores de evoluírem na personalização? Seriam limitações técnicas, medo de sanções regulatórias ou pensamento ultrapassado? Não se trata de obstáculos pequenos. São barreiras reais ao avanço de uma personalização mais inteligente, que valorize a descoberta e a liberdade de escolha.

IA em tempo real: mina de ouro ou ferramenta perigosa?

É aqui que o debate fica mais nebuloso. Estamos nos aproximando de uma zona cinzenta onde estímulos gerados por IA tornam o jogo ainda mais viciante? A IA pode ultrapassar limites éticos? E se ela começar a antecipar emoções e oscilações de humor para sugerir apostas?

Todo mundo adora uma palavra da moda, mas será que a personalização em tempo real não passa de hype disfarçado de inovação?

Christian defende que os dados em tempo real são essenciais: “Se suas informações chegam com 24 horas de atraso, você já perdeu o jogador.”

Um exemplo da indústria ilustra bem esse ponto: se um jogador perde muito dinheiro rapidamente, a IA em tempo real pode ativar um bônus para mantê-lo engajado. Sem isso, ele talvez simplesmente abandone o jogo. Isso reforça conclusões anteriores da SiGMA News sobre como a automação e a tomada de decisão em tempo real disputam a atenção do apostador.

Mas aí está o problema: a personalização com IA pode resgatar jogadores em risco antes que saiam, mas também pode ser manipulada. A IA pode, ainda que sem querer, estimular comportamentos de recuperação de perdas. A própria natureza da personalização em iGaming exige atenção — não apenas sobre como funciona, mas quão rápido reage em momentos de fragilidade emocional. Situações de “quase acerto” ativam os mesmos centros de recompensa do cérebro que vitórias reais, reforçando comportamentos de jogo mesmo sem pagamento. Como destacou a Scientific American, essa resposta neurológica mostra como as questões éticas precisam estar no centro da aplicação da IA no setor.

Apostas esportivas ao vivo já operam nesse modelo, reagindo a momentos decisivos do jogo. Operadores de cassino poderiam aplicar a mesma lógica a jogos de slot, oferecendo desafios ou giros bônus acionados por IA para manter o engajamento?

A IA permite entregar esse nível de engajamento com rapidez e escala, sem necessidade de intervenção humana. Christian destacou que não se trata apenas de velocidade, mas de tempo certo: “Às vezes, uma simples mensagem 12 horas depois de uma sessão pode fazer a diferença entre perder um jogador ou retê-lo.”

A IA está substituindo o toque humano na gestão de VIPs?

Uma limitação clara da IA é a falta de contato humano. Christian foi enfático: “A IA pode ajudar os gerentes de contas VIP, mas remover completamente o fator humano seria um erro.” Alexis completou: “VIPs gastam alto. Eles querem conversas reais, não só algoritmos.”

Adam defende um modelo híbrido: “A IA pode ajudar a definir ofertas e momentos, mas quem constrói o relacionamento tem que ser uma pessoa.”

Uma abordagem por níveis pode ser a solução. Jogadores VIP em estágio inicial talvez prefiram contato totalmente digital, enquanto os de maior valor já esperam interação humana como padrão.

Alguns VIPs deveriam poder optar por não ter contato humano e interagir apenas com canais digitais? Pode ser que uma minoria prefira a automatização total, mas a maioria ainda valoriza o toque pessoal — especialmente quando há fidelidade e apostas altas em jogo. Entre uma taça de champanhe para VIPs e uma mensagem educada de chatbot, pode estar o ponto de equilíbrio ideal da personalização no iGaming — se o setor souber enxergar.

Quando se trata de inteligência emocional, o consenso é que a IA até pode agilizar operações e servir bem a clientes mais reservados, mas dificilmente substituirá a conexão humana genuína. E nem deveria.

O futuro da personalização em iGaming

Para onde vai a personalização nos próximos 3 a 5 anos?

Veja o que pode transformar o cenário nos próximos anos:

  • IA capaz de prever apostas antes mesmo de o jogador tomar a decisão, com base em tendências comportamentais;
  • Personalização baseada em Web3, usando perfis descentralizados e dados em tempo real;
  • Sistemas com sensibilidade emocional que se adaptam ao humor, tom de voz ou nível de estresse dos jogadores — com o consentimento deles;

Adam afirmou: “Em poucos anos, estaremos rastreando emoções dos jogadores para personalizar a experiência. IA emocional não vai só escolher jogos. Vai ajustar o ritmo do lobby, o tom da música e até a volatilidade.”

Mas será que isso já não ultrapassa os limites? Alexis não se mostrou convencido: “Os reguladores vão ter dificuldades para acompanhar. Se a IA puder criar slots personalizados sob demanda, como as autoridades vão conseguir regulamentar isso?”

Um caminho promissor é o uso de perfis descentralizados por meio do Web3. A combinação de dados em tempo real com ferramentas de privacidade mais robustas pode oferecer o equilíbrio ideal entre personalização e confiança.

Em termos de boas práticas entre os operadores, a Stake.com se destaca como uma das líderes nesse campo, especialmente pelo uso estratégico de plataformas de streaming para aquisição e fidelização de jogadores. No entanto, à medida que ferramentas descentralizadas evoluem, a personalização no iGaming pode rapidamente escapar ao controle, levantando a questão: quem, de fato, está no comando da experiência do jogador? O portal SiGMA News abordou recentemente o desafio de equilibrar autonomia e monitoramento nesse cenário.

Será que a IA poderá personalizar ambientes de cassino em tempo real? Imagine um lobby totalmente ajustado, com jogos, bônus e até trilha sonora personalizados. Esse é o futuro ou é invasivo demais? Se a IA pode adaptar um lobby em tempo real, por quanto tempo os sistemas tradicionais de pontos de fidelidade ainda farão sentido? Estamos prestes a trocar a escada VIP por uma rampa hiperpersonalizada?

Apesar de toda a empolgação, ainda não está claro se os jogadores realmente querem um modelo de personalização “à la Netflix”. O uso frequente de apelidos em jogos de cassino ao vivo indica que muitos ainda valorizam o anonimato mais do que uma experiência moldada por algoritmos.

Acerte na medida — ou encare as consequências

A personalização está transformando o iGaming. Mas a pergunta persiste: ela está de fato melhorando a experiência do jogador ou é apenas mais uma forma de aumentar a receita?

Com a IA impulsionando apostas em tempo real, automação de atendimento VIP e sugestões preditivas, os operadores precisam encontrar um equilíbrio entre engajamento e responsabilidade.

À medida que a regulamentação tenta acompanhar o ritmo, o setor se vê diante de um momento decisivo: forçar demais pode gerar um efeito rebote. Mas, se bem feita, a personalização pode revolucionar a fidelização de jogadores.

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