A polêmica das loterias municipais no Brasil e a repercussão federal

Escrito por Júlia Moura

A ação movida recentemente pelo partido Solidariedade no Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe de volta em pauta a questão da exploração de serviços lotéricos e apostas de quota fixa por municípios brasileiros. A documento argumenta que diversas prefeituras têm instituído suas próprias loterias, permitindo que empresas não credenciadas pela Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) operem no setor por meio de licitações municipais. A discussão gira em torno de um ponto central: as loterias municipais são legais? Ou elas representam uma brecha para que empresas de apostas driblem as exigências nacionais? Essa questão tem impacto direto no setor de jogos, na arrecadação de impostos e na segurança dos consumidores. 

A exploração de loterias no Brasil é regulamentada por um conjunto de regras que define as responsabilidades de cada nível de governo. Historicamente, a União detinha o monopólio sobre a exploração de serviços lotéricos. Porém, em setembro de 2020, o STF decidiu que os estados também podem explorar esses serviços, desde que sigam as diretrizes nacionais estabelecidas pela União. Essa decisão reconheceu a natureza de serviço público das loterias e afirmou que a competência privativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios não impede a competência material dos estados para explorar as atividades lotéricas, nem para regulamentar essa exploração.  

Mas essa permissão não se estende aos municípios. Em 2018, o STF julgou inconstitucional uma lei do Município de Caxias (MA) que instituía uma loteria local, argumentando que os municípios não têm competência para legislar sobre sorteios e loterias, sob pena de violação do pacto federativo. A Corte ressaltou que a instituição de sistemas de consórcios e sorteios é matéria de competência legislativa privativa da União.

De acordo com a ação movida pelo Solidariedade, algumas cidades estão concedendo autorizações para empresas explorarem loterias locais com valores muito abaixo do que é exigido pelo governo federal. Um exemplo é o município de Bodó, no Rio Grande do Norte, que cobra apenas R$ 5 mil pela concessão de loteria, enquanto para operar nacionalmente o Ministério da Fazenda exige um investimento de R$ 30 milhões. 

Outras cidades também seguiram esse caminho, como Belo Horizonte (MG), Porto Alegre (RS), Campinas (SP) e Anápolis (GO). Segundo o partido, muitas dessas loterias permitem a exploração de apostas online, alcançando um público bem maior do que apenas os moradores dessas cidades, o que configura uma possível irregularidade. 

Impactos econômicos e sociais 

A proliferação de loterias municipais sem a devida regulamentação federal pode gerar desequilíbrios econômicos e sociais significativos. Um exemplo preocupante é a descoberta de que uma parcela considerável dos recursos do programa Bolsa Família tem sido destinada a jogos de azar, incluindo por adolescentes. É estimado que, em agosto de 2024, aproximadamente 21 bilhões de reais foram gastos em apostas, representando cerca de um quinto da ajuda mensal oferecida pelo governo. 

A criação de loterias municipais sem o devido respaldo legal levanta questões sobre a invasão de competências e a potencial desestabilização da exploração legal da atividade pela União e pelos estados. A falta de uma regulamentação uniforme pode abrir caminho para a atuação de empresas não autorizadas, comprometendo a integridade do mercado de apostas e aumentando os riscos para os consumidores. 

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