Apostando na guerra: os mercados de previsões devem lucrar com conflitos?

Garance Limouzy
Escrito por Garance Limouzy
Traduzido por Thawanny de Carvalho Rodrigues

Um ataque mortal na cidade indiana de Pahalgam, em 22 de abril, que resultou na morte de 26 civis, provocou repercussões que ultrapassaram em muito os limites do Sul da Ásia. Na plataforma de apostas preditivas Polymarket, o impacto foi imediato: a pergunta “A Índia vai invadir o Paquistão antes de julho?” registrou um salto no volume de negociações. Em apenas um dia, as chances subiram para 13%. Mais de US$ 1 milhão já foi apostado só nessa questão. Apostar em guerras deixou de ser uma metáfora — agora, é literalmente um mercado.

Apostando em guerra — ou em futebol. Fonte: captura de tela do site da Polymarket. Imagem: SiGMA News.

Plataformas como a Polymarket e concorrentes como a Kalshi estão abrindo caminho em um território polêmico dos mercados preditivos: eventos reais com consequências devastadoras. Associadas principalmente a investidores do universo cripto, essas plataformas permitem que os usuários apostem em tudo — de eleições a desastres naturais e, cada vez mais, em conflitos militares.

Em resposta por e-mail à NBC News, a Polymarket afirmou que seu objetivo não é explorar o sensacionalismo, mas oferecer clareza: “A missão da Polymarket é funcionar como uma fonte alternativa de notícias, aproveitando a sabedoria coletiva para fornecer previsões em tempo real, imparciais, sobre os assuntos que mais importam.” Somente em abril de 2025, a plataforma lançou quase 7.000 mercados, com apostas sobre quem será o próximo papa, os resultados do Eurovision e… a probabilidade de uma grande operação de Israel em Gaza.

Apostando em guerra. Fonte: captura de tela do site da Polymarket. Imagem: SiGMA News.

Para muitos usuários, como “Finn”, um alemão de 22 anos entrevistado pelo Le Monde, os limites éticos não são claros: “Não tenho nenhum escrúpulo em apostar em guerras. Eu não influencio o resultado e não sou o responsável pelo sofrimento.” Ele admite dormir pouco, sempre atento aos acontecimentos globais em busca de oportunidades de negociação.

Quando prever parece apostar

Críticos argumentam que essas plataformas são, na prática, cassinos disfarçados de ciência de dados. Já os defensores alegam que as previsões feitas nesses mercados são mais precisas do que pesquisas tradicionais ou opiniões de especialistas. Jack Such, representante da Kalshi, afirma: “O mecanismo de mercado refina informações com tanta precisão que supera as pesquisas ou previsões de especialistas.” A própria Polymarket abraçou esse papel de “vidente” e lançou uma newsletter chamada The Oracle, que oferece análises políticas e orientações aos apostadores — incluindo posicionamentos sobre as políticas migratórias de Donald Trump.

De fato, a Polymarket ganhou notoriedade em 2024 ao prever com precisão a reeleição de Trump. À medida que a eleição se aproximava, as probabilidades passaram a favorecê-lo após apostas de última hora — incluindo uma supostamente no valor de US$ 30 milhões.

Apostando em guerra. Fonte: captura de tela do site da Polymarket. Imagem: SiGMA News.

Vitalik Buterin e os dilemas éticos dos mercados de eventos

O cofundador da Ethereum, Vitalik Buterin, entrou no debate no ano passado ao defender o direito da Polymarket de criar mercados sobre conflitos no Oriente Médio. Após críticas por uma aposta intitulada “Hezbollah”, a plataforma retirou o nome — mas manteve categorias correlatas como “Líbano” e “Oriente Médio”. Buterin argumenta que a plataforma deve ser vista menos como um site de apostas e mais como um canal de notícias em tempo real: “Para os traders, é um site de apostas; para quem acompanha, é uma fonte de informação.”

Ele esclareceu que é contra mercados preditivos com incentivos maliciosos — como os que envolvem assassinatos — mas acredita que esses sistemas podem ajudar a combater tanto o alarmismo infundado quanto a complacência perigosa.

“Apostando em guerra como se fosse uma partida de futebol”

Ainda assim, há quem se sinta desconfortável. Zach Rynes, da comunidade Chainlink, questionou as implicações mais amplas: “Tudo precisa ser transformado em dinheiro? Existe algum limite para o que as pessoas devem poder apostar?”  Ele alertou que mercados com alta liquidez sobre eventos potencialmente influenciáveis podem, na prática, incentivar certas ações ou tornar certos desfechos inevitáveis.

Ou seja, o que começa como previsão pode acabar virando profecia autorrealizável.

“É perturbador que a Polymarket tenha uma seção inteira dedicada a apostas sobre o Hezbollah — transforma a guerra em um jogo para apostar como se fosse futebol”, escreveu um usuário na plataforma X (ex-Twitter). Outro retrucou: “Estou do lado deles nessa. Se você vive num mundo onde não confia na mídia ou num regime autoritário, é útil ver as ‘verdadeiras’ probabilidades desses eventos acontecerem.”

Reguladores reagem

Alguns órgãos reguladores dos EUA vêm tentando proibir apostas em temas políticos, alegando que isso representa riscos à integridade pública e pode abrir espaço para manipulação. Em outras partes do mundo, as medidas são mais rígidas — a França, por exemplo, simplesmente bloqueou o acesso a plataformas de previsão como a Polymarket.

Apostando em guerra. Fonte: captura de tela do site da Polymarket. Imagem: SiGMA News.

Guerra como ativo de mercado

À medida que as fronteiras entre dados, notícias e apostas se tornam cada vez mais difusas, a tensão moral em torno de plataformas como a Polymarket só aumenta. A empresa afirma que conversa diretamente com pessoas impactadas pelos acontecimentos e que seus mercados ajudam a responder a perguntas difíceis que “a TV e as redes sociais não conseguem responder”. Mas se isso representa um serviço ou uma forma de exploração ainda é uma questão amplamente debatida.

Participe da ação na SiGMA Ásia, de 1 a 4 de junho de 2025! Manila será o centro do iGaming, reunindo 20 mil participantes, mais de 350 palestrantes e 3.800 operadores sob o mesmo teto. Com tráfego qualificado, insights transformadores e networking de alto nível, é aqui que o futuro do setor na Ásia se desenha.