Apostas online e jovens brasileiros: o desafio invisível das redes sociais

Escrito por Júlia Moura

Nos últimos anos, as apostas online viraram febre no Brasil. Seja assistindo uma partida de futebol, navegando no Instagram ou no TikTok, ou acompanhando os influenciadores do momento, não é raro esbarrar em anúncios de sites de apostas — as famosas “bets”. Esse fenômeno, que movimenta bilhões de reais todos os anos, chegou ao radar das autoridades e hoje é tema de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado, conhecida como CPI das Bets

Mas um ponto chama atenção em meio aos debates no Congresso: o impacto das apostas online sobre crianças e adolescentes brasileiros — um público que, até pouco tempo atrás, parecia distante desse universo, mas que hoje está exposto a ele em escala inédita, especialmente por causa das redes sociais. 

O papel das redes sociais no avanço das bets 

Segundo um depoimento recente do presidente do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), Sergio Pompilio, cerca de 80% das denúncias recebidas pelo órgão envolvem operadores ilegais de apostas. Esses sites, muitas vezes sediados fora do Brasil, usam a internet e as redes sociais para alcançar jovens com enorme facilidade. “Hoje não é possível controlar uma empresa de bet que foi criada no continente asiático e que fala com o público brasileiro através das redes”, afirmou Pompilio à CPI. 

E ele tem razão. O TikTok, Instagram, YouTube e até mesmo o X (antigo Twitter) estão repletos de perfis que promovem sites de apostas. Muitas vezes, são influenciadores seguidos por milhões de adolescentes que, mesmo sem poder legalmente jogar, acabam consumindo esse tipo de propaganda. 

Quando a diversão vira risco 

A aposta online tem uma embalagem que parece inofensiva: é apresentada como uma diversão, um “joguinho”, um jeito de tornar o futebol ou outro esporte mais emocionante. Mas, na prática, ela envolve dinheiro real e riscos reais. 

Estudos internacionais mostram que jovens têm maior propensão ao comportamento impulsivo e tendem a subestimar os riscos financeiros. Quando somamos isso à pressão das redes sociais e ao marketing agressivo, o cenário fica preocupante. 

Segundo a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), os casos de jovens com problemas relacionados a jogos de azar e apostas vêm crescendo no Brasil. O vício em jogos, conhecido como ludopatia, afeta não só a saúde mental, mas também as relações familiares e sociais. 

Influenciadores digitais e a normalização das apostas 

O caso do influenciador Rico Melquiades, citado na CPI das Bets, ilustra bem essa realidade. Com milhões de seguidores, Rico foi investigado por divulgar sites de apostas ilegais e acabou firmando um acordo com a Justiça, pagando uma multa de R$ 1 milhão. 

Mas ele está longe de ser o único. Diversos influenciadores, inclusive ex-participantes de realities, jogadores de futebol e criadores de conteúdo gamer, promovem casas de apostas nas redes. Muitas vezes, fazem isso sem alertar para os riscos ou sequer informar se a empresa é regularizada. 

Para os jovens que os acompanham, isso passa a mensagem de que apostar é não só normal, mas também divertido — e, pior, uma maneira rápida de ganhar dinheiro. 

A responsabilidade das plataformas e a importância da regulação 

Durante a CPI, Pompilio defendeu que proibir a publicidade das casas de apostas regularizadas não resolve o problema. Para ele, é fundamental que as próprias redes sociais ajudem a tirar do ar conteúdos ligados a sites ilegais. Essa cooperação entre governo, empresas privadas e plataformas digitais é crucial para criar um ambiente mais seguro para os jovens. 

Vale lembrar que, enquanto a regulamentação das apostas avança no Congresso, as plataformas já têm políticas internas para lidar com conteúdo nocivo — mas, no caso das apostas, a fiscalização ainda deixa muito a desejar. 

O que as famílias podem fazer? 

Enquanto o debate político se arrasta, é importante que as famílias estejam atentas. Conversar com os adolescentes sobre os riscos das apostas, supervisionar o uso das redes sociais e buscar ajuda profissional em caso de sinais de vício são atitudes essenciais. 

Além disso, escolas e comunidades podem desempenhar um papel fundamental na educação para o uso consciente das tecnologias e no debate sobre consumo crítico de conteúdo digital. 

Combater a normalização das apostas entre crianças e adolescentes exige mais do que leis — exige uma mudança cultural, que envolva influenciadores, plataformas digitais, famílias, escolas e o próprio governo. É preciso entender que, para essa geração hiperconectada, o perigo não está só nas ruas ou nas baladas, mas também no celular que está no bolso ou na mochila. 

Enquanto não houver uma resposta coordenada, o risco é que a diversão aparente das bets acabe gerando problemas que só veremos estourar lá na frente — quando já for tarde para muitos jovens e suas famílias.