Apostas em eSports, integridade e expansão: perspectivas do CEO da Talon, Xiao Zhang

Jenny Ortiz-Bolivar

A indústria de eSports está passando por um crescimento expressivo nas apostas, com projeções de mercado indicando um salto de US$ 510 milhões em 2024 para US$ 2,41 bilhões até 2033. Embora essa tendência aponte para novas oportunidades de engajamento com os fãs e geração de receita, ela também reacende discussões sobre integridade e sustentabilidade no cenário competitivo. Em uma entrevista exclusiva à SiGMA World, Xiao Zhang, CEO e cofundador da Talon Esports, compartilhou suas percepções sobre como essa evolução está moldando o futuro dos eSports.

“De modo geral, qualquer esporte competitivo acaba, inevitavelmente, tendo algum tipo de aposta associada a ele”, afirmou Zhang. Ao traçar paralelos com esportes tradicionais, como futebol e basquete, ele destacou que apostar faz parte da experiência natural de quem acompanha as competições. “As pessoas querem também tentar adivinhar quem vai ganhar.”

Mas, junto com essa inevitabilidade, surgem os riscos. Zhang reconheceu que “os eSports já enfrentaram diversos escândalos”, citando casos envolvendo títulos como Counter-Strike, Dota 2, StarCraft, League of Legends e Valorant. Esses episódios, segundo ele, mancharam, em diversos momentos, a reputação de organizações e jogadores devido aos “valores de dinheiro envolvidos, que podem ser bastante expressivos”.Apesar dos riscos, Zhang acredita que os eSports não devem ser tratados de forma diferente dos esportes tradicionais. “Não acho que apostar seja algo negativo, mas, obviamente, do ponto de vista da integridade, é preciso ter muito, muito cuidado.” Ele reforçou a importância da educação, afirmando que equipes e desenvolvedores devem ajudar os jogadores a entender as consequências de comprometer a integridade competitiva.

Expansão pela Ásia-Pacífico: Localização e adaptabilidade

Zhang também falou à SiGMA World sobre a rápida expansão da Talon Esports na região da Ásia-Pacífico, um movimento que, segundo ele, trouxe tanto oportunidades quanto desafios complexos. “Começamos em mercados menores, como Hong Kong e Taiwan”, explicou Zhang, “e rapidamente percebemos que operar nesses mercados era bastante difícil do ponto de vista de receita e lucratividade.”

Isso levou à adoção de um modelo regional que abrange “do Japão até a Austrália”. Mas o processo de expansão não foi isento de aprendizados. “A lição mais difícil é perceber o quão diverso é cada mercado na Ásia”, disse Zhang. “Plataformas diferentes, países com preferências distintas em relação a jogos e canais, além de variações no idioma e no estilo de conteúdo.”Ele ressaltou o foco da empresa em adaptar-se localmente: “Estamos muito focados na localização.” Apesar das dificuldades, a Talon encontrou benefícios inesperados: “É a oportunidade de promover uma troca entre fãs, todos unidos por um mesmo jogo.”

O PSG TALON conquistou seu 8º título de League of Legends em 10 temporadas. (Fonte: Talon/LinkedIn)

O modelo de negócios dos eSports

A busca pela lucratividade ainda é um desafio para muitas organizações de eSports — e com a Talon não é diferente. Zhang descreveu uma divisão dentro do setor: times focados na sustentabilidade financeira versus aqueles que funcionam como braços de marketing de grandes corporações. “A sustentabilidade nos eSports exige um equilíbrio entre receitas e despesas”, observou.

Um desafio recorrente, segundo ele, são “os salários cada vez mais altos dos jogadores, impulsionados pela competição entre as equipes.” Ao mesmo tempo, as receitas tendem a se concentrar majoritariamente nas mãos dos desenvolvedores de jogos. “As equipes podem gerar receita com patrocínios e vendas de produtos, mas a maior parte da renda fica concentrada com os publishers”, explicou.

Contudo, novos modelos de receita começam a surgir. Zhang destacou que “os desenvolvedores estão começando a compartilhar a receita de itens digitais com as equipes”, o que, segundo ele, abre boas perspectivas. Isso permite que as organizações “se concentrem na construção de comunidade” e desenvolvam novas fontes de receita além dos patrocínios tradicionais e premiações.“Algumas equipes podem ter negligenciado a importância de cultivar uma comunidade forte”, apontou Zhang. “Ter uma comunidade dedicada é fundamental, pois ela apoia diretamente as equipes comprando produtos e itens digitais.” 

Blockchain e IA: Potencial promissor, mas ainda em fase inicial

Quando o assunto é tecnologia, Zhang demonstrou otimismo cauteloso em relação à inteligência artificial e ao blockchain. “Não sou um especialista em IA”, admitiu, “mas acho que, quando se trata de desempenho dos atletas de eSports, a IA pode ser interessante.” No entanto, ele destacou as limitações atuais, lembrando que a maioria das ferramentas disponíveis são de terceiros e “não estão realmente integradas diretamente aos jogos.”

Já o blockchain parece estar avançando de forma mais concreta. “Há uma grande sobreposição entre quem gosta de Web3 e quem gosta de games”, disse Zhang. Recentemente, a Talon firmou uma parceria com a corretora de criptomoedas Flipster, rebatizando sua equipe de Dota 2 como parte dessa colaboração. “A conexão é bem forte, você se surpreenderia com a quantidade de gamers que se interessam por NFTs, negociações e outros aspectos dessa cultura.”Ainda assim, Zhang observou que a adoção dos jogos Web3 será lenta, principalmente pela falta de incentivos para que os desenvolvedores apoiem mercados secundários. “Minha sensação geral é que há um enorme cruzamento entre essas duas comunidades, embora ainda não existam muitos bons casos de sucesso.” 

Escolha dos jogos: Equilibrando dados, marca e sustentabilidade

A Talon Esports adota uma abordagem estruturada na hora de avaliar novos títulos. “É muito orientado por dados”, afirmou Zhang. O modelo interno da empresa analisa “receitas e despesas, o potencial de público e a exposição da marca.”

Segundo o CEO, a sustentabilidade é um fator-chave. “Podemos investir em eSports menores, se conseguirmos um patrocinador e formar uma comunidade de nicho em torno disso.” Para títulos mais relevantes, a empresa aposta em uma visão de longo prazo, frequentemente investindo “de 2 a 3 anos” para alcançar os resultados desejados.Zhang citou o exemplo de Overwatch como um caso em que os dados e os sinais da comunidade levaram a Talon a deixar de investir no jogo. “Tínhamos uma comunidade enorme e uma presença significativa no Overwatch”, lembrou, mas a instabilidade da cena competitiva de segundo nível e as dificuldades no relacionamento com o desenvolvedor motivaram a saída.

Retenção de fãs: Do hype à lealdade de longo prazo

Manter o público engajado é um desafio central para muitas organizações de eSports. A Talon tem investido fortemente em “conteúdo e comunidade” para lidar com essa questão. Equipes de marketing localizadas são consideradas essenciais. “Existem diferenças de idioma e de interesse em conteúdo dependendo do nível de engajamento local”, explicou Zhang.

Vencer ajuda, mas Zhang enfatizou o valor do entretenimento: “Precisamos arrancar sorrisos, precisamos fazer as pessoas ficarem tristes, precisamos deixá-las irritadas.” Para ele, as equipes de eSports são, antes de tudo, entretenedores, não apenas atletas. A origem dos fundadores também influencia o tom da marca Talon. “As equipes asiáticas tendem a ser um pouco mais conservadoras quando se trata de provocação e hype”, afirmou Zhang. “Mas meu cofundador e eu crescemos na Austrália.” Essa combinação confere à Talon uma abordagem única em sua comunicação pública. 

Apostas, negócios e o futuro do competitivo

Zhang está otimista em relação ao futuro. “Acredito honestamente que os eSports serão um dos maiores esportes, senão o maior, até 2030,” declarou. Com os avanços em dispositivos móveis, velocidade da internet e qualidade gráfica, ele não vê motivo para que os eSports não rivalizem com os esportes tradicionais em relevância cultural e econômica.

Ele atribui esse crescimento às mudanças geracionais. “Homens e mulheres de 15, 30, 35 anos, essa é a geração que está crescendo com games e dispositivos digitais.” Enquanto gerações mais velhas equilibram o físico com o digital, as mais jovens são “muito mais digitais desde o começo.”

Para Zhang, a evolução dos eSports vai além do aspecto comercial — trata-se de um fenômeno cultural. “O gaming está no centro — é a comunidade deles, é o que eles fazem. Conforme amadurecem e têm filhos, será interessante ver como essa transição ocorrerá.”

À medida que os eSports continuam sua transformação em um meio de entretenimento e esporte mainstream, o crescimento das apostas reforça sua seriedade e alcance cada vez maiores. Embora traga questões importantes relacionadas à integridade, também cria novas formas de engajamento e monetização.

Zhang mantém uma visão clara tanto dos desafios quanto das oportunidades. Os eSports ainda são uma indústria jovem, mas, com uma gestão cuidadosa e capacidade de adaptação, têm tudo para se tornar um pilar cultural até 2030. “Esse universo digital — seja por meio de criadores, seja pelos games, seja pelos eSports —, mais e mais, acho que vai se tornar um componente culturalmente relevante e importante,” concluiu.