Exclusivo: imposto de 28% é “sentença de morte” para setor de jogos na Índia, diz especialista jurídico

Rajashree Seal
Escrito por Rajashree Seal
Traduzido por Thawanny de Carvalho Rodrigues

A Suprema Corte da Índia deve iniciar em 5 de maio as audiências finais de um caso crucial que contesta a aplicação de uma alíquota de 28% do Imposto sobre Bens e Serviços (GST) sobre o valor total das apostas no setor de jogos online com dinheiro real.

O caso teve origem em diversas notificações de autuação emitidas pela Diretoria Geral de Inteligência sobre o GST (DGGI) a empresas de jogos e cassinos, envolvendo um suposto passivo fiscal superior a INR 1,12 trilhões (US$ 13,5 bilhões). Plataformas como Dream11, Games24x7 e Head Digital Works contestaram a decisão do governo, argumentando que o imposto deveria incidir apenas sobre a receita bruta dos jogos (GGR) e não sobre o valor total apostado pelos usuários.

O governo, por sua vez, sustenta que a alíquota sempre esteve em vigor e que as alterações feitas em 2023 apenas esclareceram a legislação existente.

O caso, agora sob análise da Suprema Corte para decisão definitiva, pode ter um impacto significativo na forma como os jogos de habilidade são tributados, na definição de “créditos acionáveis” e na regulamentação da inovação digital na Índia. O veredito final do mais alto tribunal pode reformular completamente a maneira como a indústria de jogos é operada e regulada no país.

Para entender melhor o tema, a SiGMA World conversou com Srinivas Kotni, fundador e sócio-diretor da Lexport, um escritório de advocacia corporativa, comercial e tributária com sede em Nova Délhi. Nesta entrevista exclusiva, Kotni compartilha sua visão jurídica sobre a disputa de avaliação do GST, a diferença entre jogos de habilidade e de sorte, e as implicações políticas mais amplas do litígio em curso.

SiGMA World:  Como a alíquota de 28% do GST impactou a indústria de jogos online na Índia?

Srinivas Kotni, fundador e sócio-diretor da Lexport: Na verdade, essa alíquota de 28%, que mais parece uma forma de patrulhamento moral por parte do governo, acabou bloqueando qualquer tipo de investimento no setor de jogos na Índia — seja online ou não. A não ser que o governo passe a enxergar isso pela ótica da indústria, e se houver realmente questões morais, então que se proíba de vez.

Mas impor barreiras tarifárias pode não ser o caminho certo. E minha preocupação não é só com a alíquota, mas com a base de cálculo. A base é ainda mais nociva do que a própria taxa. Normalmente, em todo o mundo, o GST ou impostos sobre serviços são cobrados sobre as taxas das plataformas, e não incidem sobre os prêmios em si.
Então, ao aplicar esse imposto sobre o valor bruto recebido, o governo acaba desestimulando os jogadores a utilizarem qualquer plataforma que opere a partir da Índia ou que esteja sujeita à tributação indiana.

SiGMA World: Por que uma redução da alíquota de 28% sobre os ganhos dos jogos é considerada improvávely?

Kotni: Porque foi o próprio governo que a impôs. Essa taxa não existia antes de 2023. E como é esse mesmo governo que continua no comando, trata-se de uma decisão deliberada de impor essas barreiras tarifárias e dificultar ainda mais com regras de avaliação complicadas. Não acho que haja nenhuma perspectiva de mudança.

Mesmo que algumas pessoas estejam falando sobre isso, provavelmente são apenas boatos. Não há nenhuma sinalização concreta por parte do governo

SiGMA World: Qual é o impacto dessa política tributária na competitividade da Índia no mercado global?

Kotni:Os prestadores de serviços da Índia — incluindo desenvolvedores de jogos e outros que entraram no setor quando o cenário era mais favorável — ainda permanecem, porque a Índia tem uma enorme reserva de talentos e já domina toda a cadeia dos jogos online, e-sports, e até jogos físicos. Essa contribuição ainda existe. Mas com essas barreiras, nenhuma nova empresa quer entrar no mercado indiano, e mesmo os potenciais novos participantes do setor ficam desmotivados a investir no país neste momento.

SiGMA World: A indústria propôs mudanças ao modelo de GST? Se sim, que tipo de sugestões?

Kotni: Sim, várias propostas foram apresentadas ao governo. Muitos players do setor, por meio de associações como a All India Gaming Federation (AIGF), têm levado pedidos ao governo solicitando mais sensibilidade tanto em relação à alíquota quanto à base de cálculo. Mas não vejo nenhum avanço nesse sentido. Provavelmente essas representações estão sendo ignoradas nos corredores do Ministério da Receita.

SiGMA World: Que tipo de reformas a indústria espera do governo com relação à tributação?

Kotni: No que diz respeito à tributação, não vejo nenhuma reforma no horizonte agora. Mas, no campo regulatório, houve algumas alterações nas diretrizes para intermediários previstas na Lei de Tecnologia da Informação. Elas tratam da avaliação prévia de jogos online por conselhos independentes e também de exigências de KYC (Conheça Seu Cliente) e afins. No entanto, até onde sei, essas disposições ainda não foram oficialmente notificadas.
Acredito que a Índia precisa de uma legislação abrangente para o setor de jogos, que contemple todos os seus aspectos. É necessário definir como as plataformas devem operar, possivelmente com a criação de uma autoridade reguladora central e a exigência de processos como KYC, garantindo proteção tanto para os consumidores quanto para a arrecadação do governo. Também é essencial encontrar uma saída para o cenário de informalidade em que o setor se encontra hoje.
Isso só será possível com regras claras de regulamentação e uma estrutura tributária justa e transparente. Na minha visão, o governo precisa trabalhar nessas duas frentes e considerar a competitividade internacional.
Trata-se de uma indústria de grande porte, que gera empregos e abre oportunidades para que as pessoas se envolvam de forma produtiva e rentável. Por isso, o setor deve ser encarado sob essa ótica.

SiGMA World: KYC e uma entidade reguladora de jogos são suficientes para reformar o setor de jogos na Índia ou há outros fatores a considerar?

Kotni: Veja, existe uma lei muito antiga — o Public Gambling Act — que regulamentava qualquer forma de aposta ou jogo, e que basicamente os proibia, exceto nos estados que permitiam. Por exemplo, Tamil Nadu é extremamente rígido em relação a jogos, enquanto Goa tem uma política mais liberal, ao menos para os visitantes e turistas que vão a Goa para se divertir.
Portanto, todos os aspectos relacionados ao setor — jogos físicos, online ou e-sports — precisam estar sob um mesmo arcabouço legal e sob um único regulador. 
Esse setor precisa ser reconhecido formalmente como uma indústria. Só assim ele poderá se manter e permitir que a Índia se torne um protagonista no cenário global de jogos.

SiGMA World: Como o modelo de tributação de jogos da Índia se compara a modelos internacionais? E quando os jogadores sacam os prêmios, isso configura uma bitributação?

Kotni: Acabei de checar — o Sri Lanka tem uma alíquota de GST de 18%, e mesmo assim ela não incide sobre o valor bruto como acontece na Índia. Em geral, a tributação no mundo todo é mais moderada.
A situação na Índia é uma verdadeira penalização em dobro, o que representa um golpe fatal para a indústria. Na minha análise, a abordagem global é muito mais liberal do que a indiana.
Quanto aos prêmios, não há incidência de GST no momento do saque. Eles são considerados renda do jogador e se enquadram no imposto de renda. Então sim, há dois tributos distintos: o imposto indireto — 28% de GST — que é cobrado no momento em que o jogador entra no jogo e aposta um valor. Esse imposto é calculado sobre o valor total e vai direto para os cofres públicos.

Depois, se o jogador ganhar um prêmio, ele paga imposto de renda sobre os ganhos. Mas com certeza não há um imposto adicional sobre os 28% de GST — esse percentual é tratado como um custo para o jogador.

SiGMA World: Se o modelo de GST não for revisto, você acha que mais empresas de jogos migrarão para o exterior?

Kotni: Isso já está acontecendo. Muitas empresas já migraram para países como o Sri Lanka. Singapura é um pouco mais rígido, mas muitos prestadores de serviços se estabeleceram em Dubai e em países do Leste Europeu, como a Estônia. Milhões de pessoas estão envolvidas nesse setor, e a Índia tem uma população gigantesca. Precisamos encontrar caminhos de geração de renda e ocupação, e se houver uma via mais fácil, as pessoas vão seguir por ela. Claro, o setor precisa se autorregular e promover um jogo ético. É possível estabelecer padrões com base na política que for definida pelo governo. Mas criar obstáculos — tarifários e não tarifários — não ajuda uma população tão grande como a nossa.

SiGMA World: Se a Suprema Corte decidir contra a política de tributação do governo, as empresas poderão reaver o GST pago em excesso?

Kotni: Na minha visão, a Suprema Corte não vai interferir na política tributária do governo, pois isso é, essencialmente, uma questão de política pública. É prerrogativa do Parlamento e do governo definir o valor dos tributos. Também não vejo precedentes em que a Corte tenha intervido nas alíquotas de impostos. No máximo, pode haver uma observação ou recomendação, mas não espero nenhuma decisão concreta nesse sentido.

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