Relatório final da CPI das Bets é arquivada no Senado, mas Soraya levará o caso à PF e ao STF

Júlia Moura
Escrito por Júlia Moura

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Apostas Esportivas encerrou seus trabalhos de forma consideravelmente polêmica. O relatório final, um documento de mais de 400 páginas que pedia o indiciamento de 16 pessoas, incluindo as influenciadoras digitais Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra, foi rejeitado em uma votação de 4 a 3 na última quinta-feira. A decisão, que na prática arquiva as conclusões da comissão, marca a primeira vez em mais de uma década que uma CPI no Senado termina sem a aprovação de seu parecer final. 

Mas a relatora da comissão, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), prometeu que a investigação está longe de terminar, afirmando que a batalha apenas mudou de cenário. “Não acabou em pizza”, garantiu, sinalizando que as provas e os indícios coletados ao longo de sete meses terão um novo destino: a mesa de autoridades policiais e judiciais. 

O relatório rejeitado era uma investigação do lado negativo de um mercado que movimenta bilhões de reais no Brasil, com foco especial nos chamados cassinos online e jogos de azar, como o famoso “Jogo do Tigrinho”. A tese central da senadora Soraya Thronicke era clara: figuras de enorme alcance público, como Virgínia e Deolane, teriam utilizado sua credibilidade para promover plataformas de apostas ilegais. A acusação formal sugeria que esses influenciadores participavam de um esquema de massa para lesar consumidores, configurando crimes graves como estelionato, lavagem de dinheiro, associação criminosa e formação de quadrilha. 

A lógica da acusação se baseava no modelo de negócio: os influenciadores seriam pagos para divulgar jogos que prometiam lucros fáceis e rápidos, mas que, na realidade, operavam sem qualquer garantia ou fiscalização, configurando um ambiente propício para fraudes. 

Além dos pedidos de indiciamento, o documento trazia uma seção com 20 propostas legislativas para tentar regulamentar o que muitos chamam de “faroeste digital”. Entre as medidas mais importantes estavam: 

  • Proibição explícita: Vetar em todo o território nacional os cassinos online e jogos de caça-níqueis virtuais. 
  • Proteção aos vulneráveis: Impedir que beneficiários de programas sociais, como os inscritos no Cadastro Único (CadÚnico), pudessem se registrar e apostar, evitando o endividamento de famílias de baixa renda. 
  • Agilidade no bloqueio: Conceder mais poder à Anatel para retirar do ar, de forma sumária, sites e aplicativos de apostas considerados ilegais. 

Acusações, conflitos e um possível boicote 

Na sessão de encerramento da CPI e apresentação do relatório final houve um intenso bate-boca, expondo mais uma vez que o clima da comissão não era dos mais ideais. Senadores que votaram pela rejeição, como Eduardo Gomes (PL-TO), acusaram a relatora de transformar a CPI em um “espetáculo midiático” para “promoção pessoal”, alegando que ela se desviou do foco principal da investigação. 

Do outro lado, o sentimento era de frustração e denúncia. Senadores como Alessandro Vieira (MDB-SE) e Eduardo Girão (Novo-CE), que apoiaram o relatório, foram enfáticos ao afirmar que a rejeição representou uma vitória do poderoso lobby das casas de apostas. Girão sugeriu a atuação de “forças ocultas” nos bastidores para minar o trabalho investigativo. 

Esse argumento não era infundado. Durante os meses de trabalho, a CPI enfrentou muitas dificuldades para obter informações importantes para a investigação. Dos quase 200 pedidos de quebra de sigilo bancário e fiscal dos investigados — um passo fundamental para seguir o rastro do dinheiro em crimes financeiros — menos da metade foi aprovada pelos próprios membros da comissão. Além disso, o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), principal órgão de inteligência financeira do governo, enviou uma fração mínima dos relatórios solicitados. 

O trabalho continua 

Apesar do relatório ter sido arquivado por determinação da maioria, a senadora Soraya decidiu não deixar todo o material reunido durante a investigação se perder. Ela anunciou que vai organizar tudo — depoimentos, documentos e análises — em um dossiê, que será enviado a outras autoridades: 

  • Polícia Federal (PF): Que pode usar o material para abrir inquéritos criminais. 
  • Procuradoria-Geral da República (PGR): O Ministério Público pode analisar as provas e decidir se oferece denúncia formal contra os investigados. 
  • Supremo Tribunal Federal (STF): Para conhecimento e eventuais providências. 
  • Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon): Para ações na esfera de defesa do consumidor. 

Na prática, isso significa que, mesmo que a CPI não possa mais pedir a acusação formal, a investigação pode vir com ainda mais força nas mãos da polícia e dos procuradores. Se eles encontrarem indícios suficientes, os envolvidos, incluindo as influenciadoras, podem se tornar réus em processos criminais. 

Paralelamente, Thronicke prometeu não abandonar a frente legislativa. A ideia é desmembrar as 20 propostas do relatório em projetos de lei individuais e apresentá-los diretamente para votação no plenário do Senado. Leia os principais pontos sobre o relatório final da CPI das Bets.