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Salões de jogos do Reino Unido falham em medidas básicas de proteção a clientes vulneráveis

Jillian Dingwall
Escrito por Jillian Dingwall
Traduzido por Thawanny de Carvalho Rodrigues

Uma investigação da BBC trouxe à tona um problema alarmante: a grande maioria dos salões de jogos para adultos no Reino Unido não está aplicando de forma adequada os programas de autoexclusão destinados a ajudar pessoas com problemas de jogo a se afastarem desses ambientes. As descobertas geraram sérias preocupações entre os reguladores sobre a eficácia das medidas atuais de proteção para alguns dos indivíduos mais vulneráveis da sociedade.

Durante uma operação disfarçada realizada em Portsmouth, um repórter da BBC testou o sistema de autoexclusão e os resultados foram profundamente preocupantes. Após solicitar sua exclusão de todos os salões de jogos para adultos num raio de 40 quilômetros, ele conseguiu ser barrado em apenas um local: o Game Nation.

No entanto, de acordo com as orientações oficiais da Comissão de Jogos, esse primeiro alerta deveria ter sido comunicado automaticamente a todos os estabelecimentos da região.

O que aconteceu foi o oposto: o repórter conseguiu entrar livremente em outros 13 salões de jogos, sem qualquer tipo de questionamento, incluindo uma unidade da Merkur Slots, localizada a apenas 100 metros de onde havia feito o registro de exclusão.

Nesse local específico, os funcionários chegaram a oferecer ajuda para operar as máquinas e até se dispuseram a trazer bebidas – um comportamento que contraria diretamente o propósito das medidas de proteção que esses programas deveriam oferecer.

Quando os programas de autoexclusão falham

A falha desses sistemas de proteção se torna ainda mais preocupante quando se considera o que está em jogo. O Dr. Matt Gaskell, psicólogo consultor e líder clínico do NHS Northern Gambling Service, disse à BBC que as máquinas caça-níqueis são projetadas justamente para estimular o jogo prolongado, tornando o risco de danos “praticamente certo”.

O reconhecimento recente do trabalho de Gaskell, que recebeu uma condecoração MBE por seus serviços de apoio a pessoas afetadas por problemas com jogos de azar, reforça a gravidade dos impactos causados por esses produtos altamente viciantes.

Atualmente, os programas de autoexclusão em vigor incluem o SmartEXCLUSION, voltado para salões de jogos para adultos, além de outros sistemas gerenciados por diferentes entidades da indústria. Esses mecanismos têm como objetivo permitir que pessoas em situação de risco solicitem, de forma voluntária, o bloqueio de acesso a diversos estabelecimentos por meio de um único pedido. No entanto, a investigação da BBC indica que, na prática, essas salvaguardas estão longe de funcionar como deveriam.

Um porta-voz da Comissão de Jogos declarou: “Levamos a proteção dos consumidores extremamente a sério”. O órgão regulador classificou as conclusões do documentário como “muito preocupantes” e confirmou que tomará “medidas urgentes para investigar o ocorrido”. A resposta sugere que até mesmo a entidade responsável pela fiscalização foi surpreendida pela dimensão das falhas expostas.

O problema nas ruas comerciais do Reino Unido

As falhas nos programas de autoexclusão ganham ainda mais relevância diante da rápida expansão dos salões de jogos para adultos nas ruas comerciais do Reino Unido.

Uma análise recente, publicada pelo jornal The Guardian, revelou que esses estabelecimentos estão desproporcionalmente concentrados nas áreas mais carentes do país. Um terço deles está situado nos 10% de bairros mais pobres, e mais da metade atende clientes residentes nas 20% regiões com maior índice de privação, o que indica uma concentração direcionada justamente às comunidades com menor capacidade de absorver perdas financeiras relacionadas ao jogo.

O número de centros de jogos para adultos aumentou 7%, chegando a 1.451 entre 2022 e 2024, revertendo uma tendência de queda de longo prazo. Operadores estão aproveitando legislações favoráveis de planejamento urbano e licenciamento. A Merkur, por exemplo, abriu 100 novas unidades desde 2020 e atualmente conta com mais de 230 estabelecimentos em operação no Reino Unido. Cada máquina desses salões gera cerca de £32.600 por ano em receitas provenientes dos jogadores – valor quase equivalente ao salário médio britânico.

A Merkur, pertencente ao grupo alemão Gauselmann, tem sido alvo de críticas nos últimos meses. No início deste ano, a empresa foi multada em £95.450 por falhas em suas responsabilidades sociais na unidade de Stockport, onde funcionários não intervieram quando um cliente perdeu £1.981 durante sessões prolongadas de jogo.

Em resposta à investigação da BBC, a Merkur declarou: “Como empresa, atuamos dentro dos limites estabelecidos pelo esquema de autoexclusão do setor e sempre nos empenhamos ao máximo para apoiar os clientes que, voluntariamente ou não, optaram por aderir aos programas de autoexclusão da indústria.”

Próximos passos para regulamentação e fiscalização

As revelações reacenderam a pressão sobre os órgãos reguladores, com políticos e grupos de defesa cobrando ações mais rigorosas. Sir Iain Duncan Smith, que preside o Grupo Parlamentar de Ações Conjuntas para a Reforma do Jogo, tem argumentado há anos que a fiscalização frouxa permite que operadores de salões de jogos para adultos relaxem os padrões de proteção. Ele defende que os conselhos locais e a Comissão de Jogos recebam mais poderes para agir com firmeza contra reincidentes.

Tim Miller, diretor executivo da Comissão de Jogos, reconheceu que a proteção eficaz dos consumidores depende da correta implementação dos programas de autoexclusão em nível local. Ao comentar os desafios mais amplos do setor, Miller afirmou: “Os funcionários devem ser capazes de reconhecer quem corresponde às fotos dos registros de exclusão e tomar providências imediatas.” As declarações dele sugerem que procedimentos básicos de identificação estão falhando em diversos estabelecimentos.

O governo britânico já dá sinais de adotar uma postura mais cautelosa em relação ao setor, tendo recentemente suspendido os planos de flexibilizar as regras para máquinas de apostas de alto valor nos salões de jogos para adultos. A decisão foi motivada por “preocupações quanto à eficácia das proteções para pessoas vulneráveis”, o que indica um reconhecimento, por parte das autoridades, da necessidade de reforçar as salvaguardas em vez de promover uma desregulamentação favorável à indústria.

A Comissão de Jogos também ressaltou que os governos locais são responsáveis pela concessão de licenças e pela fiscalização dos estabelecimentos de jogos em suas áreas, com os custos cobertos pelas taxas de licenciamento. No entanto, a extensão das falhas reveladas pela BBC sugere que os mecanismos atuais de supervisão são insuficientes para garantir o cumprimento das exigências mínimas de segurança.

Como mostra a investigação, o abismo entre as intenções regulatórias e a aplicação prática das regras continua perigosamente amplo, deixando algumas das pessoas mais vulneráveis do Reino Unido expostas aos riscos de frequentar locais projetados para extrair dinheiro justamente de quem menos pode arcar com essas perdas.

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