Com a queda da confiança no setor de apostas britânico, setor ilegal ganha espaço

David Gravel
Escrito por David Gravel
Traduzido por Thawanny de Carvalho Rodrigues

Na Parte Um, publicada ontem — O setor ilegal avança sileciosamente e ocupa espaço nas apostas — revelamos a dimensão do crescimento das apostas ilegais, desde cassinos com criptomoedas até corredores de escolas, e a complacência crescente que permite que esse cenário prospere. Nesta Parte Dois, encaramos as consequências: sistemas que entram em colapso, confusão que se torna moeda corrente e jogadores vulneráveis que se afastam cada vez mais das medidas de proteção.

Kevin O’Neill, especialista em jogo responsável e diretor-geral da Responsible Gaming Foundation, reforça a necessidade de colaboração com liderança: “Operadores e reguladores precisam trabalhar mais próximos do que nunca para combater essa ameaça. Uma atuação conjunta, somada ao compartilhamento de informações, pode conter as tendências emergentes do setor ilegal.”

Mas confiança é um recurso finito na Grã-Bretanha atual. E, uma vez esgotada, o que a substitui não é a regulamentação. É a resistência — e um recuo lento para as sombras digitais, onde impera a desconfiança e onde regras não têm valor. E embora não seja possível regular a curiosidade, é possível ajudar as pessoas a enxergar o lobo por trás do bônus de boas-vindas.

Quando a verdade é distorcida e a segurança passa a ser vista como censura, o setor ilegal não precisa bater à porta. Ele simplesmente entra.

Falhas tecnológicas e evasão de jogadores

O Deal Me Out Black Market Evaluation Report revelou que 67% das pessoas que se inscreveram voluntariamente no programa de autoexclusão GAMSTOP afirmaram utilizar plataformas ilegais para burlar as restrições.

Procurada pela SiGMA News, a GAMSTOP apresentou uma perspectiva diferente. Um porta-voz declarou: “Uma avaliação independente extensa do GAMSTOP, conduzida pela Ipsos — uma das maiores agências de pesquisa do mundo — apontou que apenas 8% dos mais de 4.600 usuários entrevistados disseram recorrer a operadores ilegais ou não licenciados.”

O porta-voz acrescentou: “Embora as atividades de operadores ilegais sejam uma preocupação, é fundamental basear nossas conclusões em dados sólidos, com amostras representativas, para entender a real dimensão do problema e manter a questão em perspectiva.”

“Desde seu lançamento em 2018, mais de 560 mil pessoas se registraram no GAMSTOP, e o programa tem sido eficaz em bloquear o acesso a todos os sites licenciados no Reino Unido. Mantemos contato regular com a equipe de inteligência e fiscalização da Comissão de Jogos e temos observado avanços positivos na remoção de sites e na interrupção da promoção desses sites após notificações formais da entidade reguladora.”

“Além disso, o Meta está removendo os anúncios que reportamos, especialmente quando envolvem o uso da nossa marca registrada”, completou.

“Reconhecemos que ainda há trabalho a ser feito para eliminar toda a publicidade de cassinos ilegais ou não licenciados e, idealmente, impedir que esse tipo de publicidade ocorra.”

“Apoiamos o projeto de lei sobre Crime e Policiamento, que concederá à Comissão de Jogos mais poder para agir rapidamente na remoção de endereços IP e domínios vinculados a sites ilegais.”

Mesmo assim, o GAMSTOP recomenda que os usuários adotem medidas adicionais para se proteger. “Recomendamos que os consumidores utilizem também softwares de bloqueio e bloqueios bancários para impedir o acesso a sites não licenciados, já que sabemos que operadores sem escrúpulos visam especialmente os consumidores mais vulneráveis.”

De bloqueios a pontos cegos

Para Kevin O’Neill, a tecnologia voltada à proteção do usuário ainda está atrasada.

“Esses sistemas estão ficando mais inteligentes, mas, pessoalmente, acho que ainda não acompanham o ritmo dos avanços tecnológicos”, afirma. “Em vez de encarar as verificações de acessibilidade financeira como uma ferramenta de restrição, elas poderiam ser utilizadas para iniciar um diálogo com o jogador desde cedo e tratar de sua situação financeira de maneira acolhedora.”

Essa mudança sutil — da imposição para a orientação — é algo que muitos já defendem. Mas ainda há resistência.

“Operadores licenciados podem encontrar um equilíbrio melhor entre regulamentação e engajamento do consumidor ao oferecer políticas transparentes, acessíveis ao jogador e que priorizem o jogo responsável sem comprometer a experiência de entretenimento”, completa O’Neill.

A sedução do risco

Os incentivos do setor ilegal – que vão desde bônus mais altos até o anonimato e a flexibilização das exigências de identificação – são atrativos para jogadores vulneráveis e para aqueles frustrados com o mercado tradicional. Kevin O’Neill faz uma observação incisiva: “Muitos jogadores acabam deixando o mercado regulado por quererem mais anonimato, por serem atraídos pelas chances maiores de ganho ou pelos bônus mais generosos oferecidos por operadores não licenciados, ou ainda pela sensação de que o mercado regulado é excessivamente restritivo.”

Iris den Boer, da Deal Me Out, acrescenta: “Influenciadores e afiliados têm um papel significativo na forma como os consumidores tomam decisões – especialmente os mais jovens. O problema é que muitos estão mais interessados no retorno financeiro do que na responsabilidade ética.”

Matthew Hickey, fundador da Social Intent, comparou essa tendência ao comportamento viral dos consumidores: “Vimos isso acontecer no Reino Unido com o Prime – aquela bebida virou um item de desejo extremo – e, mais recentemente, com o chamado ‘Chocolate de Dubai’. No mundo dos jogos e apostas, a lógica se repete: os jovens seguem o que os influenciadores dizem.”

O’Neill complementa: “A saída dos jogadores do mercado regulado não pode ser explicada só por insatisfação com as regras. Outros fatores influenciam, como a expectativa de ganhos maiores, a busca por fuga da realidade, ou o apelo de um ambiente mais privado.”

Den Boer concorda: “Os órgãos reguladores precisam transformar a linguagem técnica da indústria em mensagens mais claras, acessíveis e que façam sentido para o público em geral. O consumidor médio não é especialista em regulamentação de jogos. O que ele quer saber é se a plataforma que está usando é confiável, segura e legalizada.”

E se o jogador nem percebe que cruzou a linha — como trazê-lo de volta?

Os que sofrem em silêncio são os primeiros a cair

A realidade é a seguinte: a maioria das pessoas que apostam no Reino Unido o fazem sem prejuízos. A Public Health England já estimou que apenas 0,5% da população se enquadra na categoria de jogadores com problemas, com outros 3,8% em risco moderado. Mas, como Adrian Sladdin destacou no primeiro artigo desta série, as estatísticas também escondem sombras.

Esses números não revelam o grupo silencioso: pessoas que não aparecem nas manchetes nem ligam para linhas de ajuda, mas que vivem uma luta íntima com o jogo. Gente próxima – familiares, amigos, colegas de trabalho. Pessoas comuns. Que parecem no controle diante dos outros, mas desmoronam quando a tela brilha à noite. Não são irresponsáveis. São humanas.

Essas histórias só aparecem nos dados quando a máscara cai, quando o banco nega uma transação, quando os relacionamentos começam a ruir ou quando a vergonha ultrapassa o prazer da aposta. E, mesmo assim, estão por toda parte. À vista, mas invisíveis. O sistema precisa funcionar não apenas para os extremos – mas para essa imensa zona cinzenta no meio do caminho.

O mercado ilegal já sabe onde encontrar essas brechas, caso os esforços de regulamentação, educação e proteção não levem em conta essa fronteira invisível entre o uso casual e o risco de dependência. E não vai esperar por dados.

Confusão virou moeda corrente

Matthew Hickey confirmou à SiGMA News que, desde o início, a avaliação do envolvimento com o mercado ilegal – especialmente entre os jovens – exigiu medidas de proteção. Um artigo anterior da SiGMA News, “Setor ilegal avança sileciosamente e ocupa espaço nas apostas”, destacou as conclusões do relatório Deal Me Out Black Market Evaluation.

“Criamos um grupo consultivo formado por pessoas com vivência direta no tema e um painel de proteção, justamente porque estávamos preocupados com as possíveis consequências de investigar o mercado ilegal com base em experiências pessoais – como o risco de que quanto mais falássemos sobre o assunto, maior poderia ser o interesse em explorá-lo.”

Hickey explicou o processo: “Usamos dispositivos de resposta (‘clickers’) para reunir dados em escala macro e, ao mesmo tempo, mantivemos canais de comunicação direta com os participantes para obter uma perspectiva mais detalhada.”

“Também usamos o SurveyMonkey como ferramenta para engajamento em massa. Antes da avaliação, fizemos um levantamento inicial para entender o cenário de base. Depois, conduzimos oficinas explicando termos como ‘cassino social’, ‘moeda virtual’ e afins. No fim, repetimos a coleta de dados com os clickers para comparar os resultados.”

Uma das descobertas mais relevantes? A maioria dos jovens nem sequer entende a linguagem do jogo.

“Havia uma preocupação real com o desconhecimento dos termos relacionados a apostas entre os jovens”, contou Hickey. “Por exemplo, quando falávamos de “cassinos sociais” ou “apostas com skins”, muitos não reconheciam ou não compreendiam esses conceitos – talvez porque usassem outros nomes para se referir a isso. Por isso, aumentar a conscientização e a compreensão virou prioridade durante nossa avaliação.”

Vozes que ainda não escutamos

Kevin O’Neill acredita que é possível tornar os marcos regulatórios mais humanos. “As autoridades deveriam fazer mais para incluir vozes com experiências reais, já que essas perspectivas trazem percepções valiosas sobre os impactos concretos do jogo e os desafios enfrentados por quem é afetado.”

Matthew Hickey também chama a atenção para as diferenças regionais.

“O projeto começou em cidades litorâneas, onde os fliperamas físicos de beira-mar estão facilmente acessíveis para jovens. Atuamos no Noroeste, especialmente em Liverpool, o que pode ter influenciado o conhecimento sobre marcas como a Stake.com. Por isso, fizemos questão de coletar dados em outras regiões para garantir equilíbrio e evitar vieses geográficos.”

O que os formuladores de políticas precisam levar a sério?

“Operadores regulamentados atuam às claras. Eles podem, entre outras coisas, divulgar suas marcas e exibir selos que comprovam conformidade e mecanismos de proteção ao cliente.”

“O problema é que, sem conscientização, informação clara e uma relação mais próxima com o consumidor, esse público inevitavelmente pode acabar migrando para o setor ilegal. No fim, as pessoas vão buscar a solução que lhes parecer mais conveniente.”

Hickey também alerta para a proliferação de sites fraudulentos que imitam os legalizados: “Existem sites que replicam versões legítimas. Talvez a Comissão de Jogos devesse seguir o exemplo do Brasil e distribuir URLs como parte do processo regulatório.”

Navegar por mercados ilegais ou de monitoramento duvidoso não é apenas um risco legal — é também uma ameaça à reputação. Basta um afiliado errado ou uma ligação mal explicada com um operador sem licença para que uma marca perca a confiança de jogadores, parceiros e reguladores. Em um cenário pós-white paper, esse risco não é mais hipotético — é real e pode ser fatal para o negócio.

Ação setorial ou mira cruzada?

A Deal Me Out reforça esse chamado à união. “Quando atuamos isoladamente, diluímos nosso impacto. Mas quando educadores, reguladores, operadores e a sociedade civil se unem com uma visão compartilhada, aí sim conseguimos promover mudanças duradouras”, afirmou Iris den Boer.

Nenhuma entidade sozinha resolverá o problema. Nenhuma norma isolada conterá todos os danos. Precisamos de responsabilidade compartilhada — não de apontar dedos. A educação precisa ser envolvente, não apenas informativa. A regulação deve ser firme, mas também justa. E, acima de tudo, os jogadores precisam sentir que o caminho legal não é só o mais seguro — é também o mais vantajoso.

Para O’Neill, é essencial que a inovação acompanhe a urgência. “Para enfrentar o avanço do jogo ilegal de maneira sustentável e centrada no consumidor, governos e reguladores podem ampliar as opções legais — como o micro-betting e plataformas online —, integrando blockchain para garantir transparência e inteligência artificial para monitoramento em tempo real.”

A Entain resumiu bem: “É urgente educar os consumidores sobre os riscos significativos de recorrer a operadores ilegais.” Já Hickey defende que, no mínimo, os reguladores exijam transparência. “Como você regularia essas operações? A verdade é que não sabemos como isso funcionaria na prática. Mas eles deveriam — e precisam — assumir que estão sendo pagos para promover.”

Só que isso é só o começo. Estamos apenas maquiando os problemas enquanto nossas políticas, plataformas e sistemas de proteção não evoluírem para lidar com a realidade atual.

O futuro precisa de firmeza, não de slogans

Campanhas bem produzidas estão por toda parte. Rostos simpáticos e sorridentes nos dizendo para “jogar com responsabilidade”, com sorrisos tão brilhantes que refletem a luz da TV. Quando o branding aparece antes mesmo do início de uma partida, qual é a mensagem real por trás disso? Porque, quando um aviso vem embalado em um outdoor com o logo da marca por cima, deixa de ser um serviço público — vira marketing disfarçado.

Essas campanhas têm boas intenções e representam um avanço. Mas não falam com quem está ficando para trás. Com aqueles que não aparecem em grupos de foco. Que não precisam apenas de lembretes — mas de acolhimento.

Se a resposta a essa ameaça vier pela metade, empacotada em notas frias à imprensa ou distribuída como pauta de marketing de última hora, o setor ilegal já venceu. Ele não precisa de autorização. Só precisa dos espaços que deixamos descobertos.

E, num mundo onde o lucro avança mais rápido do que os princípios, quem vai ter coragem de puxar o freio de um trem desgovernado a caminho de uma mina de ouro — mesmo que alguns passageiros fiquem pelo caminho?

Essa não é uma história sobre infratores. É uma história sobre descuido. Se o mercado ilegal está ganhando espaço, é porque permitimos que ele ocupasse essa área cinzenta. A próxima jogada é nossa.

Se a solução for coletiva, o futuro ainda pode ser resgatado.

*Se os riscos forem maiores do que apenas financeiros e a situação estiver ficando insustentável, saiba que há apoio disponível. O serviço de atendimento para dependência em jogos da NHS oferece ajuda confidencial e suporte para a saúde mental.

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